quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Curitiba recebe os gigantes do Hard Rock – Whitesnake/Aerosmith


  
O público curitibano teve a honra de receber duas das melhores bandas de hard rock de todos os tempos, em um dia que prometia muita chuva, barro, capas de chuva e eventuais resfriados no dia seguinte, mas a noite surpreendeu, em todos os aspectos.

           Escolhido para o local do show, o BioParque é como uma Mesopotâmia (mantidas as suas devidas proporções toscas), pois fica entre os rios Belém e Iguaçu, o que faz a sensação de frio aumentar consideravelmente por conta da umidade. Diferente do show do Ghost/Slayer/Iron Maiden (que também prometia chuva – Curitiba né?!) o clima não gelou o rosto dos fãs, alguns que estavam esperando na fila desde domingo de noite.

Bom, vamos ao que interessa...

                David Coverdale mostrou que ainda resta voz – E QUE VOZ – aos 62 anos. Começou agitando o público com um hit de mais de 25 anos, do álbum “Whitesnake”, “Give Me All Your Love”, sendo uma boa escolha para o prato de entrada. Todos cantaram em uma só voz os refrões dos maiores clássicos como “Love Ain’t No Stranger”, “Is This Love”, “Here I Go Again” e “Still of the Night”.



           Nada faltou no que diz respeito ao estilo, desde cabelos esvoaçantes, caras e bocas, roupas extravagantes, calças de couro, coletes abertos e até mesmo um duelo entre os guitarristas Dough Aldrich e Reb Beach, que fizeram o público delirar. Covardale esbanjou jovialidade, percorrendo o palco todo com uma camisa do Brasil semiaberta, sendo extremamente cordial, cativando a todos, reforçando o porquê de toda sua fama ao longo da carreira de quase 50 anos. Além dos solos virtuosos, também teve solo de gaita e de bateria.

             Visivelmente o vocalista do Whitesnake ficou um pouco incomodado com o fato de não poder utilizar a passarela exclusiva do Aerosmith, onde Perry e Tyler dominariam instantes depois, “Must have a fucking treasure here” disse ele, apontando para as pequenas barragens que o impediam de andar pela extensão frontal do palco.

                A apresentação foi perfeita e natural, fechando com clássicas do Deep Purple, "Burn" e "Stormbringer"  incluindo até mesmo os errinhos de notas e derrapadas no vocal, fazendo com que o público sentisse a veracidade da performance, o lado humano dos rock stars. Uma bela abertura para um verdadeiro espetáculo que viera em seguida.

Os monstros do rock ‘n’ roll invadem o palco e dominam o público do início ao fim

                As luzes se apagaram e o vídeo de introdução do show começou a passar nos telões, chamando a atenção de todos, esquecendo por um momento o palco, voltando os olhares para lá novamente apenas quando a apresentação apocalíptica – Global Warming Tour – teve fim, surpreendendo o público que teve a surpresa de ver Steven Tyler e Joe fucking Perry (como o vocalista o chamou ao final do show) praticamente no meio do público, na ponta da extensão frontal do palco, onde, para a felicidade dos fãs, permaneceram a maior parte do tempo.



                A música de abertura definiu a temática e expressão do show, “Let The Music Do The Talking”, deixando a música falar literalmente por duas horas. Assim como Coverdale, Steven Tyler demonstrou todo o amor que tem pela música, em todos estes anos de carreira em incessantes shows ao longo de quatro décadas. Com um visual extremamente glam, composto por chapéu, lenço no pescoço (que depois foi para a cabeça), óculos escuros, calça roxa colada, o vocalista do Aerosmith mostrou que ainda tem muita bala na agulha. Conhecido pelo meio musical por ter uma técnica impecável, dominou os agudos e sustentou as notas com virtuosidade.

               Infelizmente não estava presente o baixista Tom Hamilton, pois passou mal e teve que voltar ao país de origem, não podendo participar de nenhum dos shows da turnê no Brasil e em seu lugar teve o carismático David Hull da banda paralela de Joe Perry, a Joe Perry Project.

               “Pink”, um dos hits mais conhecidos da banda, foi a quinta música. No trecho ”Pink when I turn out the light”, o frontman colocou a mão em frente ao rosto, como se tivesse sustentando uma chama e soprou, fazendo com que todas as luzes do local se apagassem, fazendo o público delirar.

    Ao longo do show pegou uma bandeira do Brasil que o publicou jogou, colocou nas costas, dançou e se comportou como o rock star que é. Foi à parte de trás do palco e cantou um trecho da música “Living on the Edge” no meio de duas belas garotas e visivelmente tentou provocar um beijo a três que não foi recepcionado pelas moças.

Pouco antes de cantar “What it takes”, Steven expressou sua admiração pelo nome da cidade de Curitiba, falando quase como uma conotação sexual “It’s good to say that... show me your Curitiba” fazendo o público cair na gargalhada.


O público recepcionou tão bem os músicos que o bis teve 5 músicas, formando o ponto alto da noite, quando um piano foi levado à parte da frente da passarela, onde o Steven Tyler tocou “Dream on” e ao longo da música, Joe Perry subiu por uma mini escada no instrumento, concretizando a cena mais bela do espetáculo.

                Um show sensacional, digno de uma das bandas mais clássicas do rock 'n' roll.

Setlists:

WHITESNAKE

1) Give Me All Your Love
2) Ready an’ Willing
3) Love Ain’t No Stranger
4) Is This Love
5) Slide It In/Slow an’ Easy
6) Love Will Set You Free
7) “Steal Your Heart Away”
8) “Fool For Your Love”
9) “Here I Go Again”
10) “Still of the Night”
11) “Burn”/”Stormbringer”

AEROSMITH

1) “Let The Music Do The Talking”
2) “Love in an Elevator”
3) “Toys in the Attic”
4) “Oh Yeah”
5) “Pink”
6) “Dude (Looks Like a Lady)”
7) “Same Old Song and Dance”
8) “Cryin’”
9) “Last Child”
10) “Jaded”
11) “Combination”
12) “What it Takes”
13) “Livin’ on the Edge”
14) “I Don’t Wanna Miss a Thing”
15) “No More No More”
16) “Come Together”
17) “Walk This Way”

Bis:
18) “Dream On”
19) “Sweet Emotion”
20) “Crazy”
21) “Movin’ Out”
22) “Train Kept A-Rollin’”


quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Ortografia impecável = Discurso perfeito?


De uns tempos para cá tenho percebido a implicação de muitos paladinos da ortografia em relação aos com escrita mais despojada. O que indigna é que essa galera acredita que escrever “da maneira correta” significa ser mais inteligente e pior, que tem o direito de reprender quem não está escrevendo tudo nos conformes. Pobres egos, desprezam o próximo sem nem se atentar ao que está sendo comunicado pelo interlocutor. Não são poucas as mensagens de desafeto nas redes sociais, tratando como lixo quem foge da norma culta, por não ter conhecimento ou por preferir uma maneira mais despojada na hora de se expressar.Existe uma beleza em tudo isso e, quando percebida, passa a ser admirada. Em tempos de globalização a comunicação tem sido cada vez menos elitizada, o que significa que não é necessário pagar para subir ao palco, portanto fala quem quer e escuta quem estiver próximo. Nada melhor do que falar a realidade de uma sociedade quando se está dentro dela.Um dos exemplos que melhor pode contextualizar essa beleza, é a própria fanpage do diário de classe, da estudante Isadora. É claro que neste caso, a interlocutora é nova, não tem nem quinze anos, mas seu palco, por assim dizer, é extremamente aclamado, com vírgulas e acentos faltantes ou não. O que tem de gente que comenta absurdos nesta fanpage não é brincadeira. São dezenas de paladinos da ortografia desprezando um trabalho tão bonito que chego a ter vergonha alheia. Tamanha é a falta de bom senso que estes vendam seus olhos a ponto de não captar o substancial dos textos da Isadora. As pessoas estão tendo cada vez mais voz e vetar estes gritos de expressão é um erro. A quantidade de escritores que a globalização permitiu surgir é imensa! Hoje qualquer pessoa pode escrever o que bem entender nas redes sociais, criar um blog e qualquer que seja o conteúdo na rede. É uma das maravilhas que a internet permite.

          Diferente da TV, rádio ou outros veículos de comunicação tradicionais, a internet possibilita o usuário a interagir, clicar, ESCREVER. Isso retrata uma evolução comparado a épocas passadas. As pessoas estão errando bastante na ortografia? Estão sim, mas ao menos estão arriscando e, consequentemente, aos poucos criando uma nova onda de formadores de opinião, o que com certeza é mais importante do que todo mundo escrevendo “certinho”. Claro que a ortografia é importante, óbvio, para comunicar é bom ter a certeza de que o que está escrito vai conseguir transmitir a sua mensagem.

          Do que adianta um texto cheio de palavras e expressões complexas, se nem todos entenderão? “A simplicidade é o último grau da sofisticação” disse Da Vinci e não há como discordar. A beleza não está em metralhar palavras de alta complexidade, como em muitos textos de política que estão por aí, repletos de prolixidade, sendo praticamente um contrassenso ao propósito inicial, que é comunicar a informação. Tenho amigos com a ortografia maravilhosa, porém com textos repletos de preconceito, alienados a sistemas de governos fantasiosos, discursos repletos de lições vazias e que nem eles próprios compreendem. Dou muito mais valor aos gritos de expressão crus e brilhantes de muitos que estão pela rede, reivindicando das maneiras mais diretas possíveis seus direitos, retratando uma cultura que não está embasada em falsos moralismos.

          Portanto, você, amigão que adora discriminar os outros pela ausência de vírgulas, acentos, falta ou inclusão de letras em determinadas palavras, comece a prestar atenção além delas, pois seu preconceito pode significar fechar os olhos para ideias que te interessem, te desenvolvam e te instiguem. Comunique, compreenda e compartilhe boas ideias, vale o esforço.

domingo, 27 de janeiro de 2013

O autodestrutivo ser humano


Hoje presenciei uma das cenas mais caóticas da minha vida, com tantas cenas inescrupulosas que meu cérebro não conseguia absorver por inteiro, um caos definitivo. Não presenciei as cenas horríveis no Pré-carnaval do Largo da Ordem de 2012, mas acompanhei as notícias nos jornais e pelos posts nas redes sociais. Não tinha ideia do que é uma guerra civil até estar nela. Bom, vou descrever desde o momento em que cheguei neste pré-carnaval de 2013.

Ao chegar no Largo da Ordem, subindo pela rua da igreja, vi o China de esquina, que vende tubão, mais cheio do que nunca. Fontana e tubão na mão da galera, muita gente louca, cagando para a passagem dos carros, pelo respeito à mulher. Ao me aproximar do Cavalo Babão (local central do Largo, para quem não conhece), vi três corpos estirados. Dois virados de bruços e um virado para cima, cheio de sangue no nariz. Perto desses dois tinha um grupo de adolescentes vomitando aquele Fontana vermelho enquanto outro grupo distinto filmava com celulares, rindo da desgraça alheia.

Até encontrar meus amigos, vi duas brigas, covardia para tudo quanto é canto. A quantidade de destruição era tamanha que chegava a parecer normal. Gente andando por um lado da calçada, perto de uma briga, uns adolescentes vomitando, garrafas sendo quebradas, comércio de crack. Era muita gente e muito fervo. Quem disser que era meia dúzia de gente que estava avacalhando o evento estará mentindo. A porcentagem de gente que estava participando da diversão incoerente era enorme. Infelizmente uma das festas mais bonitas da cidade está atraindo um público muito triste, sádico.

Assim que encontrei meus amigos, todos já comentaram a respeito do caos evidente, que tinham visto gente apanhando, da mesma maneira que eu vi: gente sangrando, gente sofrendo. Não sou acostumado a ver esse tipo de coisa, sou do tipo que não gosta de ver UFC porque não gosto de ver briga, imagina só quando acontece dessa maneira. Certa hora nós fomos ao banheiro e no caminho vimos uma multidão correndo e ao fundo se ouvia o som das bombas de efeito moral e dos tiros de borracha. Comecei a correr e logo me perdi dos meus amigos e ao longo do trajeto até o ponto de ônibus, vi caras enfrentando a polícia, gritando “Pega eu!”.

Foi a primeira vez que vi um público tão positivamente envolvido com o caos. Muita gente rindo e se divertindo, como se tivesse acontecendo um espetáculo. Cheguei a pensar que era o fim do mundo, ainda mais depois de ter acontecido a tragédia em Santa Maria. Uma amiga postou no Facebook que já passou a hora do mundo acabar e tenho que concordar com ela. É tanta gente sem respeito que chegar a beirar o surrealismo. O código de honra virou artigo de luxo.

Ainda não sei de tudo que aconteceu para desencadear naquele inferno, mas digo que tinha muita gente que merecia. Imagina só uma fileira de carros tentando passar e um monte de criaturas balançando os veículos, a custa de nada, só pelo prazer de “apavorar”. Gente vandalizando carros sem qualquer ponta de consciência. Por causa de muitas pessoas aconteceu o que aconteceu. O Brasil precisa muito de educação, urgente! É preciso educar para que esse tipo de coisa mude, pois do contrário este apocalipse zumbi destruirá progressivamente toda a sociedade. A polícia está errada? E quem estava lá? A sujeira é uma só! Os eventos públicos estão virando um campo de batalha e o ser humano só está provando que é doente por destruição.

sábado, 26 de janeiro de 2013

O destino é cretino. Sombras do meu passado hoje me engolem. Olho-me... sinto-me bem. Olho com mais calma, e sinto que só estou onde mereço. Do que adianta me esconder se o presente que tento viver nunca será o que vejo? Em que passado vive este meu presente? Enxergar a silhueta da minha consciência só é possível porque a mantenho assim e porque quero mante-la assim. Sei para onde ir, mas não quero, e vou para onde sei que não devo ir. Devo ir?

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

À beira de um abismo surreal 2-1

Caso você não tenha lido o primeiro capítulo deste conto, não deixe de conferir clicando aqui.

À beira de um abismo surreal - Parte 2-1



Qual seria a explicação lógica para este tipo de situação? Olhando o sete de copas cheguei a pensar que talvez estivesse mesmo enlouquecendo. Noite passada cheguei um pouco embriagado, mas não lembro de ter jogado cartas no bar e muito menos de ter colocado uma dentro da meia. Que idiota faria isso?

Dormi pra cacete, já é de noite e não tenho nem noção de qual dia da semana. Com a febre castigando meu corpo, pude senti-lo fraco, mas estranhamente não sentia mais vontade de dormir. Resolvi ir até a cozinha e tomei um remédio, mas não tinha porcaria alguma. Peguei um copo d’água e liguei a TV.

Ao tomar a água, notei que estava com gás. Será que algum irmão meu resolver dar uma variada ou comprou errado mesmo? Continuei bebendo e ao navegar pelos canais, percebi que todos estavam em preto e branco. Fui até o aparelho de TV gateado e regulei os cabos. Continuou a mesma merda. Estava ruim enquanto estava bicolor, mas conseguiu ficar pior quando somente os canais abertos ficaram disponíveis. Porcaria de gato, gambiarra mal feita.

Assisti vinte minutos de algum programa de auditório idiota e conclui que têm pessoas que devem entender esses programas de alguma maneira diferente, deve ter alguma linguagem própria para entender, algum curso que é necessário como requisito para captar algum sentido figurado não perceptível no plano óbvio. Caso contrário, é apenas um programa idiota mesmo.

O apartamento não poderia estar tão vazio assim, alguém deveria estar em um dos quartos, pois independente do dia, sempre tem gente escutando música alta, andando de um lado para o outro para pegar comida ou até mesmo fazendo o que os adultos fazem em um quarto com alguma mulher e muita disposição.

Conforme fui chegando perto do corredor onde ficam os quartos, senti um cheiro de carne podre muito forte. Tive que tapar o nariz para seguir em frente. O que diabos deixaram apodrecer por lá? Sei que ninguém no recinto é um exemplo de higiene, mas nunca tínhamos chego a um nível tão fétido. Fiquei surpreso ao ver uma enorme exclamação pichada na porta do Renato e um sino amarrado ao trinco. Um sino prata e pequeno, do tamanho de um enfeite de natal. Ao abrir a porta, o sino tocou alto escuridão adentro.

Comecei a tremer, pois sabia que algo péssimo tinha acontecido. Estranhamente já tinha ideia do que os sinais poderiam significar. De pé, no meio da escuridão, sentindo todo aquele cheiro insuportável, tomei ciência de parte da situação e, pressentindo o terror que se seguiria, acendi a luz.

Caí no chão assim que o vi.

O sangue banhava o chão e minhas meias brancas e, com uma faca fincada rosto adentro, um pouco abaixo do olho direito, meu irmão mais velho se encontrava estirado no chão. Seu pijama estava todo rasgado e seu peito, aberto, numa carnificina que jamais tinha visto.

Um rato comia suas tripas expostas enquanto eu o observava. O aparelho de som estava ligado, com o volume baixo, tocando Man in the box do Alice In Chains. No chão um pacote de camisinha aberto, porém com o preservativo ainda enrolado.

              Levantei-me e corri até porta, com pensamentos vazios e desesperados.

Estava trancada.

Ainda em choque, sentei no chão, com as costas encostadas na porta de casa e segurei minha cabeça entre os joelhos.

          Os traficantes devem ter dado um fim no Nato enquanto eu estava dormindo. Nossa mãe sempre disse que se envolver com essas porcarias poderia custar a vida de alguém. Não consegui encontrar outra explicação. Ele sempre fora envolvido com esse lance de falsificação de documentos. O esquema era simples, os traficantes pediam que meu irmão falsificasse meia dúzia de documentos no photoshop para que pudessem fazer empréstimos em nome de gente morta. Claro que gente dessa laia não vive só disso, mesmo porque quanto mais dinheiro sujo se ganha, torna-se algo compulsivo. O dinheiro sujo é uma das piores drogas do mundo, com ele vem uma camassada de porcaria junto. Gente morta, assassinatos encomendados, tráfico de órgãos, drogas, armas e, é claro, mutretas com políticos.

        Peguei o telefone para avisar a polícia, disquei o número e deu ocupado. Ocupado? Tentei novamente e só ouvi a voz da gravação dizendo que o número não existe. Essas empresas de telefonia me dão nos nervos as vezes. Disquei novamente e algo diferente aconteceu.

            A TV ligou no último volume em um canal não sintonizado, ecoando o chiado alto pelo apartamento. O telefone no quarto do meu irmão começou a tocar, mas sem intervalos. Pude ouvir meu celular tocando no meu quarto também. Assim que fui pegá-lo em minha cama, a luz piscou e queimou. Instantaneamente os telefones pararam de tocar e a TV desligou. Tentei acender a luz da sala e nada, a energia parecia ter acabado.

Que belo início de noite.

              A ligação no meu celular era anônima e desligou antes que eu pudesse atender. Meu aparelho é um daqueles bem lixos, antigos, sem visor colorido e com toques monofônicos, mas com uma vantagem: a famigerada lanterna. Além de ser ruim, ainda estava sem sinal, só sobrava a lanterna mesmo. Comecei a vasculhar o quarto em busca da minha chave, mas parecia uma cena de guerra, completamente zoneado, dificultando o pente fino.

         A merda da chave não estava em lugar algum e sem luz impossibilitava por completa a busca. Vesti uma calça jeans que estava no chão, um moletom do Ramones que já havia sido preto e agora estava cinza, calcei um tênis de marca genérica e peguei um martelo, que poderia resolver algum eventual problema no caminho para o módulo policial. A essa altura do campeonato, tendo acontecido o que aconteceu, é necessário garantir a sobrevivência.

Saí pela janela para chegar até o corredor devido ao problema com a porta.

           Já tinha feito isso antes, quando alguém trancava a porta e esquecia que eu estava lá dentro, logo para ir ao trabalho, era necessário me arriscar. Na primeira vez tinha sido difícil, mas depois da décima vez, já estava acostumado – ninguém costumava checar os quartos antes de sair, tampouco deixar a chave para quem pudesse precisar.

           O vento congelara até minha alma e notei que uma neblina densa pairava sobre a cidade, impedindo-me até de enxergar o chão, onze andares abaixo. A janela que dava para o corredor estava quebrada, sorte minha. Tudo parecia normal no corredor que, inclusive, estava iluminado. A garota que aguardava o elevador não pareceu se espantar ao me ver entrando no corredor, pela janela, com um martelo em mãos e cara de poucos amigos.

- Boa noite! – disse ela, e sorriu timidamente.

- Erm... boa noite. – respondi constrangido

Que delicinha! O protótipo que me atrai. Branquinha, aproximadamente 1,65m, cabelos pretos um pouco abaixo do ombro, lábios finos, formato dos olhos bem redondos, peitos que se encaixariam em uma taça de vinho e vestindo uma roupa extremamente casual: jeans azul, blusinha branca, all star e uma jaqueta jeans. O castanho dos seus olhos me dominou, era acinzentado e profundo. Aquele filé esbanjava pedigree. Quando aqueles olhos apontaram para mim, pensei no que havia acontecido e acendi um cigarro de marca Classic, se é que posso chamar essa porcaria paraguaia de marca. É o proletariado fumando o que há de “melhor” no mercado.

Já dizia um velho amigo meu, se Classic fosse cigarro de rico, chamariam de “Cléssic” e se Marlboro fosse de pobre, chamariam de Marboro.

O elevador chegou e entramos. Ela apertou o sexto e eu, o térreo. Dentro do elevador, senti um perfume maravilhoso, algo como jasmim. A garota me encantava por completo. Fechei os olhos por um momento e imaginei que o elevador tivesse me levando aos céus, de primeira classe e na companhia de uma Deusa.


As portas se abriram e ela saiu. Tão bela indo quanto vindo.

Mesmo com toda aquela beleza prendendo minha atenção, não pude deixar de notar que o andar em que descera era completamente diferente dos que eu tinha visto. Parecia o hall de um palácio! A alguns metros à frente tinha uma escada larga, com um tapete vermelho, algo muito chique. Que lugar era aquele?

Assim que o elevador fechou as portas, a luz acabou e o elevador parou. É só passar do andar de rico que já volto a minha realidade de plebeu. Andar de rico... que porra era aquela? Enfim, a prioridade era sair do elevador, depois pensar no quão estranho aquilo parecia. Mesmo sem energia, tentei o botão da emergência e, para minha surpresa, ele tocou uma campainha estranha.

- Alô? – disse a voz de uma mulher.

- Oi! Fiquei preso no elevador, pode me ajudar?

- Não tô conseguindo te escutar!

- TÔ PRESO NO ELEVADOR! – Gritei.

- Alô? – risos ao fundo.

- SEGUINTE! NÃO TEM NADA DE ENGRAÇADO NÃO! TÔ PRESO NESSA POR... – O elevador começou a tremer e logo, a cair.

           Quem quer que estivesse escutando e rindo, já não estava mais. Com a velocidade, comecei a flutuar no ar até me estatelar de cara no chão, em meio a um estrondo. O martelo que estava em minha cintura caiu com toda força ao lado da minha cabeça.

Dia ruim.

Meio atordoado com a queda, abri meus olhos. Enxergava embaçado e o ouvido zumbia. Escutei as risadas novamente, mas desta vez vinha de fora do elevador. A única coisa que mal conseguia enxergar eram os botões brancos e desgastados do elevador. Coloquei a mão no meu bolso, apertei o botão e mais uma vez fui salvo pelo meu Nokia 1100 e sua fantástica lanterna.

Dada a situação, analisei minhas opções e tive de usar a criatividade. Os filmes ensinam que alguma parte de cima do elevador mexe, sai, levanta ou alguma porcaria do gênero, onde eu estava não podia ser diferente. Fui apalpando o teto e voilá, os filmes estavam certos afinal de contas. Enxerguei uma luz um pouco acima, pelo menos uns 2 metros, saindo por uma fresta da porta do segundo andar. A porta de baixo parecia inacessível, então optei por subir pelos cabos. Na altura da porta, estiquei a perna e consegui dar um chute na porta. Patético, o chute mal fez barulho.

- Hey! Alguém me ajuda aqui! Estou precisando de uma mão, por favor! Alguém?! – Tentei novamente mais umas tantas vezes, chutando e gritando.

          Depois de muita insistência, a porta pesada de metal abriu um pouco, o suficiente para que eu pudesse passar de lado. Com um pouco de esforço consegui passar e logo sentei no chão. Levantei a cabeça e agradeci, ofegante:

- Muito obrigado!

Não havia ninguém. Devia ser um grande engano, só poderia ter dormido fora, não parecia em nada o prédio onde residia. O lugar era um salão imenso. O teto abobadado, de pelo menos 15 metros de altura, era iluminado com algumas luzes fracas que pareciam velas e no seu centro havia um desenho horrendo da cabeça de um porco ensangüentado, com um dos olhos saltados e vários dos traços que formavam a pintura do local eram vermelhos, como sangue, formando outros desenhos bizarros como cavalos mutilados, sem uma ou mais patas, membros de animais soltos, vacas com o interior exposto e demais mutilações.

Meus olhos corriam o local como um cavalo corre em uma pista de jóquei e não conseguia deixar de pensar que quem fez o que fez com meu irmão pudesse estar ali, naquele lugar medonho. Gente do bem não mora neste tipo de ambiente bizarro.

Todos traços eram finos e perfeitos, dando vida aos animais de sangue, que pareciam me olhar como moradores que flagram um invasor. As paredes eram de pedra, lembrando o interior de alguma igreja da antiguidade, mas ao invés de santos, eu via imagens que assolavam minha mente. Havia cinco cadeiras encostadas em cada uma das três paredes, deixando o centro vazio. A outra parede tinha uma escada de poucos degraus que levava a um andar com três portas, uma estava aberta e desta eu ouvia muitas vozes, risadas e demais ruídos.

Senti-me idiota com um martelo na cintura e roupas extremamente malacafentas. Não fazia o típico herói com roupa bacana e olhos azuis. Cabelo ruim, olhos cor de cocô, um moletom zoado do Ramones e um martelo na cintura. Sem contar que não havia passado nem um desodorante antes de sair.
Felipe, o vingador mendigo.

                Pensando bem, quem passa desodorante pra sair de casa depois que vê o irmão em tripas? Bom, acho que a estética não importava de qualquer maneira. A situação já era bizarra por si só, logo o moletom do Ramones não significava nada de mais.

 Continua...