domingo, 27 de janeiro de 2013

O autodestrutivo ser humano


Hoje presenciei uma das cenas mais caóticas da minha vida, com tantas cenas inescrupulosas que meu cérebro não conseguia absorver por inteiro, um caos definitivo. Não presenciei as cenas horríveis no Pré-carnaval do Largo da Ordem de 2012, mas acompanhei as notícias nos jornais e pelos posts nas redes sociais. Não tinha ideia do que é uma guerra civil até estar nela. Bom, vou descrever desde o momento em que cheguei neste pré-carnaval de 2013.

Ao chegar no Largo da Ordem, subindo pela rua da igreja, vi o China de esquina, que vende tubão, mais cheio do que nunca. Fontana e tubão na mão da galera, muita gente louca, cagando para a passagem dos carros, pelo respeito à mulher. Ao me aproximar do Cavalo Babão (local central do Largo, para quem não conhece), vi três corpos estirados. Dois virados de bruços e um virado para cima, cheio de sangue no nariz. Perto desses dois tinha um grupo de adolescentes vomitando aquele Fontana vermelho enquanto outro grupo distinto filmava com celulares, rindo da desgraça alheia.

Até encontrar meus amigos, vi duas brigas, covardia para tudo quanto é canto. A quantidade de destruição era tamanha que chegava a parecer normal. Gente andando por um lado da calçada, perto de uma briga, uns adolescentes vomitando, garrafas sendo quebradas, comércio de crack. Era muita gente e muito fervo. Quem disser que era meia dúzia de gente que estava avacalhando o evento estará mentindo. A porcentagem de gente que estava participando da diversão incoerente era enorme. Infelizmente uma das festas mais bonitas da cidade está atraindo um público muito triste, sádico.

Assim que encontrei meus amigos, todos já comentaram a respeito do caos evidente, que tinham visto gente apanhando, da mesma maneira que eu vi: gente sangrando, gente sofrendo. Não sou acostumado a ver esse tipo de coisa, sou do tipo que não gosta de ver UFC porque não gosto de ver briga, imagina só quando acontece dessa maneira. Certa hora nós fomos ao banheiro e no caminho vimos uma multidão correndo e ao fundo se ouvia o som das bombas de efeito moral e dos tiros de borracha. Comecei a correr e logo me perdi dos meus amigos e ao longo do trajeto até o ponto de ônibus, vi caras enfrentando a polícia, gritando “Pega eu!”.

Foi a primeira vez que vi um público tão positivamente envolvido com o caos. Muita gente rindo e se divertindo, como se tivesse acontecendo um espetáculo. Cheguei a pensar que era o fim do mundo, ainda mais depois de ter acontecido a tragédia em Santa Maria. Uma amiga postou no Facebook que já passou a hora do mundo acabar e tenho que concordar com ela. É tanta gente sem respeito que chegar a beirar o surrealismo. O código de honra virou artigo de luxo.

Ainda não sei de tudo que aconteceu para desencadear naquele inferno, mas digo que tinha muita gente que merecia. Imagina só uma fileira de carros tentando passar e um monte de criaturas balançando os veículos, a custa de nada, só pelo prazer de “apavorar”. Gente vandalizando carros sem qualquer ponta de consciência. Por causa de muitas pessoas aconteceu o que aconteceu. O Brasil precisa muito de educação, urgente! É preciso educar para que esse tipo de coisa mude, pois do contrário este apocalipse zumbi destruirá progressivamente toda a sociedade. A polícia está errada? E quem estava lá? A sujeira é uma só! Os eventos públicos estão virando um campo de batalha e o ser humano só está provando que é doente por destruição.

sábado, 26 de janeiro de 2013

O destino é cretino. Sombras do meu passado hoje me engolem. Olho-me... sinto-me bem. Olho com mais calma, e sinto que só estou onde mereço. Do que adianta me esconder se o presente que tento viver nunca será o que vejo? Em que passado vive este meu presente? Enxergar a silhueta da minha consciência só é possível porque a mantenho assim e porque quero mante-la assim. Sei para onde ir, mas não quero, e vou para onde sei que não devo ir. Devo ir?

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

À beira de um abismo surreal 2-1

Caso você não tenha lido o primeiro capítulo deste conto, não deixe de conferir clicando aqui.

À beira de um abismo surreal - Parte 2-1



Qual seria a explicação lógica para este tipo de situação? Olhando o sete de copas cheguei a pensar que talvez estivesse mesmo enlouquecendo. Noite passada cheguei um pouco embriagado, mas não lembro de ter jogado cartas no bar e muito menos de ter colocado uma dentro da meia. Que idiota faria isso?

Dormi pra cacete, já é de noite e não tenho nem noção de qual dia da semana. Com a febre castigando meu corpo, pude senti-lo fraco, mas estranhamente não sentia mais vontade de dormir. Resolvi ir até a cozinha e tomei um remédio, mas não tinha porcaria alguma. Peguei um copo d’água e liguei a TV.

Ao tomar a água, notei que estava com gás. Será que algum irmão meu resolver dar uma variada ou comprou errado mesmo? Continuei bebendo e ao navegar pelos canais, percebi que todos estavam em preto e branco. Fui até o aparelho de TV gateado e regulei os cabos. Continuou a mesma merda. Estava ruim enquanto estava bicolor, mas conseguiu ficar pior quando somente os canais abertos ficaram disponíveis. Porcaria de gato, gambiarra mal feita.

Assisti vinte minutos de algum programa de auditório idiota e conclui que têm pessoas que devem entender esses programas de alguma maneira diferente, deve ter alguma linguagem própria para entender, algum curso que é necessário como requisito para captar algum sentido figurado não perceptível no plano óbvio. Caso contrário, é apenas um programa idiota mesmo.

O apartamento não poderia estar tão vazio assim, alguém deveria estar em um dos quartos, pois independente do dia, sempre tem gente escutando música alta, andando de um lado para o outro para pegar comida ou até mesmo fazendo o que os adultos fazem em um quarto com alguma mulher e muita disposição.

Conforme fui chegando perto do corredor onde ficam os quartos, senti um cheiro de carne podre muito forte. Tive que tapar o nariz para seguir em frente. O que diabos deixaram apodrecer por lá? Sei que ninguém no recinto é um exemplo de higiene, mas nunca tínhamos chego a um nível tão fétido. Fiquei surpreso ao ver uma enorme exclamação pichada na porta do Renato e um sino amarrado ao trinco. Um sino prata e pequeno, do tamanho de um enfeite de natal. Ao abrir a porta, o sino tocou alto escuridão adentro.

Comecei a tremer, pois sabia que algo péssimo tinha acontecido. Estranhamente já tinha ideia do que os sinais poderiam significar. De pé, no meio da escuridão, sentindo todo aquele cheiro insuportável, tomei ciência de parte da situação e, pressentindo o terror que se seguiria, acendi a luz.

Caí no chão assim que o vi.

O sangue banhava o chão e minhas meias brancas e, com uma faca fincada rosto adentro, um pouco abaixo do olho direito, meu irmão mais velho se encontrava estirado no chão. Seu pijama estava todo rasgado e seu peito, aberto, numa carnificina que jamais tinha visto.

Um rato comia suas tripas expostas enquanto eu o observava. O aparelho de som estava ligado, com o volume baixo, tocando Man in the box do Alice In Chains. No chão um pacote de camisinha aberto, porém com o preservativo ainda enrolado.

              Levantei-me e corri até porta, com pensamentos vazios e desesperados.

Estava trancada.

Ainda em choque, sentei no chão, com as costas encostadas na porta de casa e segurei minha cabeça entre os joelhos.

          Os traficantes devem ter dado um fim no Nato enquanto eu estava dormindo. Nossa mãe sempre disse que se envolver com essas porcarias poderia custar a vida de alguém. Não consegui encontrar outra explicação. Ele sempre fora envolvido com esse lance de falsificação de documentos. O esquema era simples, os traficantes pediam que meu irmão falsificasse meia dúzia de documentos no photoshop para que pudessem fazer empréstimos em nome de gente morta. Claro que gente dessa laia não vive só disso, mesmo porque quanto mais dinheiro sujo se ganha, torna-se algo compulsivo. O dinheiro sujo é uma das piores drogas do mundo, com ele vem uma camassada de porcaria junto. Gente morta, assassinatos encomendados, tráfico de órgãos, drogas, armas e, é claro, mutretas com políticos.

        Peguei o telefone para avisar a polícia, disquei o número e deu ocupado. Ocupado? Tentei novamente e só ouvi a voz da gravação dizendo que o número não existe. Essas empresas de telefonia me dão nos nervos as vezes. Disquei novamente e algo diferente aconteceu.

            A TV ligou no último volume em um canal não sintonizado, ecoando o chiado alto pelo apartamento. O telefone no quarto do meu irmão começou a tocar, mas sem intervalos. Pude ouvir meu celular tocando no meu quarto também. Assim que fui pegá-lo em minha cama, a luz piscou e queimou. Instantaneamente os telefones pararam de tocar e a TV desligou. Tentei acender a luz da sala e nada, a energia parecia ter acabado.

Que belo início de noite.

              A ligação no meu celular era anônima e desligou antes que eu pudesse atender. Meu aparelho é um daqueles bem lixos, antigos, sem visor colorido e com toques monofônicos, mas com uma vantagem: a famigerada lanterna. Além de ser ruim, ainda estava sem sinal, só sobrava a lanterna mesmo. Comecei a vasculhar o quarto em busca da minha chave, mas parecia uma cena de guerra, completamente zoneado, dificultando o pente fino.

         A merda da chave não estava em lugar algum e sem luz impossibilitava por completa a busca. Vesti uma calça jeans que estava no chão, um moletom do Ramones que já havia sido preto e agora estava cinza, calcei um tênis de marca genérica e peguei um martelo, que poderia resolver algum eventual problema no caminho para o módulo policial. A essa altura do campeonato, tendo acontecido o que aconteceu, é necessário garantir a sobrevivência.

Saí pela janela para chegar até o corredor devido ao problema com a porta.

           Já tinha feito isso antes, quando alguém trancava a porta e esquecia que eu estava lá dentro, logo para ir ao trabalho, era necessário me arriscar. Na primeira vez tinha sido difícil, mas depois da décima vez, já estava acostumado – ninguém costumava checar os quartos antes de sair, tampouco deixar a chave para quem pudesse precisar.

           O vento congelara até minha alma e notei que uma neblina densa pairava sobre a cidade, impedindo-me até de enxergar o chão, onze andares abaixo. A janela que dava para o corredor estava quebrada, sorte minha. Tudo parecia normal no corredor que, inclusive, estava iluminado. A garota que aguardava o elevador não pareceu se espantar ao me ver entrando no corredor, pela janela, com um martelo em mãos e cara de poucos amigos.

- Boa noite! – disse ela, e sorriu timidamente.

- Erm... boa noite. – respondi constrangido

Que delicinha! O protótipo que me atrai. Branquinha, aproximadamente 1,65m, cabelos pretos um pouco abaixo do ombro, lábios finos, formato dos olhos bem redondos, peitos que se encaixariam em uma taça de vinho e vestindo uma roupa extremamente casual: jeans azul, blusinha branca, all star e uma jaqueta jeans. O castanho dos seus olhos me dominou, era acinzentado e profundo. Aquele filé esbanjava pedigree. Quando aqueles olhos apontaram para mim, pensei no que havia acontecido e acendi um cigarro de marca Classic, se é que posso chamar essa porcaria paraguaia de marca. É o proletariado fumando o que há de “melhor” no mercado.

Já dizia um velho amigo meu, se Classic fosse cigarro de rico, chamariam de “Cléssic” e se Marlboro fosse de pobre, chamariam de Marboro.

O elevador chegou e entramos. Ela apertou o sexto e eu, o térreo. Dentro do elevador, senti um perfume maravilhoso, algo como jasmim. A garota me encantava por completo. Fechei os olhos por um momento e imaginei que o elevador tivesse me levando aos céus, de primeira classe e na companhia de uma Deusa.


As portas se abriram e ela saiu. Tão bela indo quanto vindo.

Mesmo com toda aquela beleza prendendo minha atenção, não pude deixar de notar que o andar em que descera era completamente diferente dos que eu tinha visto. Parecia o hall de um palácio! A alguns metros à frente tinha uma escada larga, com um tapete vermelho, algo muito chique. Que lugar era aquele?

Assim que o elevador fechou as portas, a luz acabou e o elevador parou. É só passar do andar de rico que já volto a minha realidade de plebeu. Andar de rico... que porra era aquela? Enfim, a prioridade era sair do elevador, depois pensar no quão estranho aquilo parecia. Mesmo sem energia, tentei o botão da emergência e, para minha surpresa, ele tocou uma campainha estranha.

- Alô? – disse a voz de uma mulher.

- Oi! Fiquei preso no elevador, pode me ajudar?

- Não tô conseguindo te escutar!

- TÔ PRESO NO ELEVADOR! – Gritei.

- Alô? – risos ao fundo.

- SEGUINTE! NÃO TEM NADA DE ENGRAÇADO NÃO! TÔ PRESO NESSA POR... – O elevador começou a tremer e logo, a cair.

           Quem quer que estivesse escutando e rindo, já não estava mais. Com a velocidade, comecei a flutuar no ar até me estatelar de cara no chão, em meio a um estrondo. O martelo que estava em minha cintura caiu com toda força ao lado da minha cabeça.

Dia ruim.

Meio atordoado com a queda, abri meus olhos. Enxergava embaçado e o ouvido zumbia. Escutei as risadas novamente, mas desta vez vinha de fora do elevador. A única coisa que mal conseguia enxergar eram os botões brancos e desgastados do elevador. Coloquei a mão no meu bolso, apertei o botão e mais uma vez fui salvo pelo meu Nokia 1100 e sua fantástica lanterna.

Dada a situação, analisei minhas opções e tive de usar a criatividade. Os filmes ensinam que alguma parte de cima do elevador mexe, sai, levanta ou alguma porcaria do gênero, onde eu estava não podia ser diferente. Fui apalpando o teto e voilá, os filmes estavam certos afinal de contas. Enxerguei uma luz um pouco acima, pelo menos uns 2 metros, saindo por uma fresta da porta do segundo andar. A porta de baixo parecia inacessível, então optei por subir pelos cabos. Na altura da porta, estiquei a perna e consegui dar um chute na porta. Patético, o chute mal fez barulho.

- Hey! Alguém me ajuda aqui! Estou precisando de uma mão, por favor! Alguém?! – Tentei novamente mais umas tantas vezes, chutando e gritando.

          Depois de muita insistência, a porta pesada de metal abriu um pouco, o suficiente para que eu pudesse passar de lado. Com um pouco de esforço consegui passar e logo sentei no chão. Levantei a cabeça e agradeci, ofegante:

- Muito obrigado!

Não havia ninguém. Devia ser um grande engano, só poderia ter dormido fora, não parecia em nada o prédio onde residia. O lugar era um salão imenso. O teto abobadado, de pelo menos 15 metros de altura, era iluminado com algumas luzes fracas que pareciam velas e no seu centro havia um desenho horrendo da cabeça de um porco ensangüentado, com um dos olhos saltados e vários dos traços que formavam a pintura do local eram vermelhos, como sangue, formando outros desenhos bizarros como cavalos mutilados, sem uma ou mais patas, membros de animais soltos, vacas com o interior exposto e demais mutilações.

Meus olhos corriam o local como um cavalo corre em uma pista de jóquei e não conseguia deixar de pensar que quem fez o que fez com meu irmão pudesse estar ali, naquele lugar medonho. Gente do bem não mora neste tipo de ambiente bizarro.

Todos traços eram finos e perfeitos, dando vida aos animais de sangue, que pareciam me olhar como moradores que flagram um invasor. As paredes eram de pedra, lembrando o interior de alguma igreja da antiguidade, mas ao invés de santos, eu via imagens que assolavam minha mente. Havia cinco cadeiras encostadas em cada uma das três paredes, deixando o centro vazio. A outra parede tinha uma escada de poucos degraus que levava a um andar com três portas, uma estava aberta e desta eu ouvia muitas vozes, risadas e demais ruídos.

Senti-me idiota com um martelo na cintura e roupas extremamente malacafentas. Não fazia o típico herói com roupa bacana e olhos azuis. Cabelo ruim, olhos cor de cocô, um moletom zoado do Ramones e um martelo na cintura. Sem contar que não havia passado nem um desodorante antes de sair.
Felipe, o vingador mendigo.

                Pensando bem, quem passa desodorante pra sair de casa depois que vê o irmão em tripas? Bom, acho que a estética não importava de qualquer maneira. A situação já era bizarra por si só, logo o moletom do Ramones não significava nada de mais.

 Continua...